हरिः ओम्

हरिः ओम्

segunda-feira, 1 de junho de 2015

Agradeço, perdoo e deixo ir

Chega a ser estranho falar disso agora. O tempo passou, e o vento das mudanças e das alegrias novas levou consigo folhas, poeira, lágrima, raiva, ressentimento. A lembrança ainda tenho. Nunca desejei ou cogitei trabalhar ali, até aquela tarde em que o telefone celular tocou e do outro lado da linha, uma voz masculina me fazia um convite: __ Tenho uma proposta de trabalho que acredito que vá lhe interessar. Confesso que de imediato não me empolguei, nem mesmo pelo fato de ser uma empresa transnacional de grandíssimo porte, sonho de muitos profissionais. Mas o convite vinha bem a calhar: eu estava em vias de encerrar uma parceria de 6 anos no escritório jurídico onde até então eu trabalhava. Caiu-me como uma luva. A alternativa seria eu montar meu próprio escritório, mas não tinha recursos suficientes. Eu ganhava dinheiro com certa facilidade... e com a mesma facilidade gastava. Mas era só dinheiro o que faltava. Faltava-me também coragem. Erguer e manter sozinha um negócio parecia-me muito difícil. E também não encontrava uma parceria. O convite era para atuar como advogada aqui mesmo na minha cidade, na gerência jurídica local. Apresentei minha expectativa salarial sem nenhum pudor, afinal de contas eu nem fazia questão de trabalhar lá, e, para minha surpresa, foi aceita. Na hora isso me fez pensar que podia ter pedido mais ― meses mais tarde, quando eu já entederia melhor as regras de ascensão na carreira, eu descobriria que ganhava mais do que todos os colegas da equipe e que já estavam lá há anos. E lá estava eu, “bem empregada”, ótimo salário, com plano de saúde excelente, plano de previdência privada, bolsa de estudos para meu filho na melhor escola da capital do Estado, participação nos lucros e resultados. E sem nenhum brilho nos olhos. Era 2006. O ar era difícil de respirar ali dentro. As palavras eram cuidadosamente medidas antes de serem pronunciadas. Proibido falar de quanto se ganha. Relatórios. Revisão do relatório, outro relatório. Reuniões, muitas reuniões. Ah, sim... e as tais “conference calls”. Aturdida sobre o que era prioritário no meio daquilo tudo ― e quase tudo me parecia de uma inutilidade absurda ― tive minha primeira lição sobre o que é prioridade dentro de uma corporação: o que o seu chefe pedir. Questões jurídicas? Não eram prioridade. Pelo menos não até significar a possibilidade de perda de prestígio de algum chefe. Os mais altos graus da hierarquia “exigiam” respeito. Claustrofobia. Falta de ar. Cuidava de mais de 1.000 ações indenizatórias de acidentes de trabalho e acidentes ferroviários, de assuntos de direito ambiental e de direito penal. Eram cerca de 15 contratos com escritórios jurídicos de primeira linha espalhados pelo país para eu gerir. Metas e Objetivos. Mas na época eu era muito produtiva, realizava minhas tarefas (inúteis, em sua maioria, a meu ver) judiciosamente e com presteza e passava ociosamente o resto do tempo. Criatividade nas alturas, ideias novas para problemas velhos. Eu “me destacava”. De verdade, era fácil, muito fácil para mim. Se eu discordava da chefia na análise dos problemas, simplesmente emitia minha opinião de modo assertivo e sem rodeios. E fazia isso pensando que estava contribuindo para o esclarecimento das questões, para a solução. Afinal, supunha eu ser paga para isso: resolver problemas. Erros mortais no mundo corporativo: destacar-se e discordar do chefe. Não sabia, mas estava fazendo um pouco de tudo que tem de pior para uma carreira no mundo corporativo. Nunca soube fazer essa tal gestão de carreira. Olhando para trás, vejo em mim inocência e ingenuidade, que muito longe de serem qualidades, eram vistas como graves defeitos. Até porque “ninguém” acreditava que eu fosse realmente daquele jeito. Mentira. A minha chefe não acreditava. Era minha primeira experiência numa estrutura corporativa como aquela. Aconteceu que o chefe que me contratou foi para outra empresa e uma advogada da nossa equipe foi promovida e assumiu a gerência. No início parecia que tínhamos afinidade: idades próximas, tipos físicos, formação acadêmica etc. Só aparência. Nossa relação se deteriorou rapidamente. Ela era muito competitiva. E eu tenho horror à competição. Tudo em mim era ameaça aos olhos dela: minha competência, meus conhecimentos jurídicos, minha aptidão para liderança. Até minha aparência. Vocês devem estar se perguntando: o que eu estava fazendo lá?! Por que não me demitia ou era demitida? Não me demitia porque acreditava que precisava daquele emprego. Não era demitida porque o Diretor executivo gostava muito de mim. A deterioração de nossa relação se acentuou por ocasião do casamento dela: ela me acusava de ter, de propósito, roubado-lhe a cena. Como eu teria conseguido isso até hoje não sei ― chamar mais a atenção do que uma noiva é uma proeza, não é mesmo?! A partir daí minha chefe tornou minha vida um inferno diário. Dia após dia, eram gritos, chamava meu nome aos berros, passava meu trabalho para estagiário fazerem e as tarefas dos estagiários para eu fazer, me desqualificava pessoalmente, desmerecia meu trabalho, negava qualquer participação minha em cursos e treinamentos, marcava reuniões e não me avisava ― logo, eu me atrasava ou não comparecia. Meu filme estava queimado. Aumento de salário, promoção?...  nem pensar. Nem mesmo uma transferência para outro setor. “Tudo fechado”. Eu não via saída, apesar de a porta por onde entrei ter continuado sempre aberta. Frustração e medo. E o sentimento de injustiça. Sabe o que era o mais louco de tudo isso? Eu não era capaz me ver como a vítima. Meu sangue estava sendo sugado diretamente de dentro das minhas veias, eu era pisoteada na cabeça, chicoteada nas costas, minha moral era aviltada e mesmo assim não sacava a fundura do poço. Estava completamente equivocada sobre minha condição naquela história. Acreditava estar em igualdade com a chefe, no controle dos rumos. E como eu não me percebia como a vítima, que de fato era, eu também, por consequência, não me defendia e nem pedia ajuda. Eu sofria e me sentia sozinha. E o sentimento de abandono, que já me acompanha desde que lembro da vida, fincou raiz e botou galho. Faltou-me discernimento. Então, meu corpo adoeceu. Hemorragia interna: úlcera duodenal. Exame endoscópico: negativo para h. pylori. Ufa! Por exclusão, decretou-se: causa emocional. A médica gastroenterologista entendeu de me encaminhar a um psiquiatra. Eu devia tomar ansiolíticos. Eu não queria, me achava muito jovem para a tarja preta. Não fui. Procurei um homeopata e com ele consegui controlar a tensão. Graças a Deus. Também por recomendação médica, retomei a psicoterapia que muito me ajudava, mas estava longe o dia em que eu cairia na real em relação a tudo isso, ainda se passariam anos antes desse momento. Enquanto eu tentava lidar com tudo isso, e ao mesmo tempo esconder das pessoas ao meu redor o que eu entendia como um fracasso porque me dava uma vergonha de passar por aquilo, eu também tentava poupar meu filho, porque julgava que já era bastante para ele lidar com o coração partido pela separação dos pais, e minha mãe, porque julgava que ela também já suportava peso demais na vida. Naquela época, havia pouco que eu havia saído de um relacionamento, então não tinha um companheiro com quem compartilhar e para me apoiar. Então, sem misericórdia nenhuma de mim mesma (eu me odiava?), eu me impunha a ordem mais cruel: você tem que ser forte e tem que dar conta sozinha. Sendo assim, eu não precisava de nada e nem de ninguém. Quando na verdade eu precisa ser acolhida: __ um colo, um abraço, por favor! ― gritava meu coração afônico e nem eu me ouvia. Eu estava morrendo lentamente. Foi então que Deus achando que já era suficiente resolveu botar um fim, porque se fosse contar comigo para finalizar aquilo, podia esquecer. Eu padecia de uma total disfunção, inaptidão para enxergar minha fragilidade e “me salvar”. O Diretor Executivo que me protegia se desligou da empresa em julho e minha chefe me demitiu sumariamente, sem nem mesmo expor o motivo, no primeiro dia de agosto do mesmo ano. Os colegas me olhavam em silêncio. Um único que falou em meu favor menos de 6 meses depois pediria sua própria demissão. Desmoronei. O gigante de pedra ruiu. Fui dominada por um sentimento de inferioridade, de carta fora do baralho, de impotência sem limites. Não havia nada que eu pudesse e nem que eu de verdade quisesse fazer para reverter. E eu não tinha a mínima ideia de como recomeçar. Mas como eu não me dava o direito de ser frágil, vítima, fraca, desamparada  ― tudo que eu realmente era naquele momento ― eu me feri a mim mesma mais uma vez, e, sem respeitar meu luto, fui à luta. Menos de um mês depois eu já tinha um novo trabalho e um novo lema: o silêncio. Perdi a ingenuidade e espontaneidade. Entendi que precisava me proteger (consegui com a psicoterapia), pois nem todos que nos cercam ou cruzam nosso caminho estão a fim de nos ajudar ou de serem legais conosco. Mas sabe o quê? Era como se, pela milésima vez nada vida (sim, houve outros episódios dessa mesma natureza), eu tivesse de novo 15 anos pronta para perder a inocência: fingindo da melhor maneira possível ser adulta, segura e dar conta de tudo, mas por dentro como uma menininha assustada, sozinha de noite na escuridão da floresta. O tempo passou, e o vento das mudanças e das novas alegrias levou consigo folhas, poeira, lágrima, raiva, ressentimento. A lembrança ainda tenho. A ferida, embora às vezes abra, cicatrizou, não sangra nem dói mais. E não acho estranho falar disso agora, é mais escala dessa viagem que trouxe até aqui. Agradeço, perdoo e deixo ir. Harih Om! हरिः ओम्

Leiam também o texto de João Goulart sobre seus sentimentos diante de uma dificuldade enfrentada na vida.

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