Salto do ônibus. Já é tarde da noite quando volto do
trabalho: dou aula até 22h20. Ainda tenho uns 10 minutos de caminhada até
chegar à minha casa. Moro no centro histórico, na parte chamada Cidade Alta, e
lá os ônibus comuns não circulam ― não há espaço para eles. Da Avenida Jerônimo
Monteiro, pego a Rua do Rosário. Tem este nome por causa da Igreja da Nossa
Senhora do Rosário dos Pretos. Uma igreja católica construída há mais de 400
anos e que era reservada aos escravos africanos. Hoje é local de visitação, um
museu dos tempos de colônia e império. Nela só acontece celebração no dia da tradicional
procissão, 27 de dezembro. Sua história é marcada pela rixa que a comunidade do
Rosário (os peroás) tinha com a comunidade do Convento São Francisco (os
caramurus), em torno da imagem e da procissão de São Benedito, o santo preto e
pobre. Mas essa história é longa, fica para outra hora. Salve Nossa Senhora do
Rosário, Salve São Benedito! Sigo em frente, entrando à direita na Rua Graciano
Neves e logo viro na ruela Professor Baltazar. Na esquina com a Rua Sete, uma
rua de pedestres, lê-se a placa da cartomante que atende no segundo andar e
promete ler sua “sorte”. Usa “Vovó” como tratamento. Saravá Umbanda! Ao redor, a aglomeração de bares onde, de
terça a domingo, as pessoas de aglomeram, conversam, batem papo, tomam tragos,
dão risadas, assistem ao futebol, fumam, cantam sambas e usam smartphones. É a região boêmia do centro
da Capital. Era para ser alegre, mas eu vejo zumbis. Culto a Dionísio. Em meio
a isso, localizada na Galeria Sete, onde está a escada rolante mais antiga da
cidade ― já foi um dia a atração da meninada, que ia até lá para brincadeiras
de subir e descer ―, a Tenda de Abraão vende livros e produtos para os cultos
judaicos. A Rua Sete é comprida e subindo-a até o fim, chega-se aos pés do
Morro da Piedade, a comunidade está instalada dentro do Parque Municipal da
Fonte Grande. Quando é quinta-feira, é possível ouvir cá de baixo o som das
percussões no ensaio da bateria da escola de samba. Culto a Momo! Aqui
começa a subida. Mais a frente, encontra-se à esquerda, um Centro de Johrei, da
Igreja Messiânica Mundial do Brasil. Para quem não sabe, o Johrei é uma canalização
da Luz Divina e a Messiânica é uma Igreja que surgiu no Japão. A verdade, o bem
e o Belo! Continuo subindo a rua até o Palácio da Fonte Grande, edifício onde funciona
a sede do governo do Estado, com seus mosaicos modernistas. Monumento ao Poder.
Ou seria um mausoléu? Se eu seguisse na Rua Sete por mais uns poucos metros,
encontraria a Primeira Igreja Presbiteriana de Vitória, cujas torres
pontiagudas têm algo de quase gótico. Glória a Deus! Em frente a ela, do outro
lado da rua, os botequins “pé sujo”, o mais famoso é o Bar da Zilda, a elite
gosta de vir porque é “descolado” frequentar o centro da cidade. O centro de
tão cult passou a pop. Culto a Morpheo. Mas eu não sigo, em
frente ao Palácio, dobro na Rua Coronel Monjardim. À minha direita a pequenina
Igreja Assembleia de Deus. Pequenina só no tamanho do salão, porque no volume
do som na hora dos cultos é um gigante. Aleluia irmão! Do outro lado da rua a
murada da Igreja Nossa Senhora do Carmo, em estilo barroco. Muito concorrida
para os casamentos. Seu carrilhão toca alto porém delicadamente. Da minha casa,
na rua de cima ― ufa, já estou quase chegando! ―, eu o ouço ao meio dia e à
Hora do Angelus, quando então ele
toca a Ave Maria. Subo a ladeira da Rua Serrat, é muito forte a subida. No
topo, estou sem fôlego. Respiro fundo, e aliviada, a subida agora é mais suave.
Se fosse mais cedo, eu poderia pegar a direita, e encontraria o Centro Espírita
Bezerra de Menezes ainda funcionando, com suas palestras e atendimento
mediúnico. Assim Seja! Mas é tarde, hora de ir para casa, torno à esquerda e já
estou na rua Uruguay, avisto minha casa a uns poucos metros de subida. Lembro
que se fosse domingo, pela manhã, eu poderia seguir na minha rua até o final,
passar em frente ao Convento São Francisco, do qual hoje só restam ruínas em
restauração e contemplar por instantes a beleza de sua fachada refletindo raios
do sol, emoldurada pelo azul do céu de Vitória, desceria pela Rua Dom Fernando
e encontraria a Sinagoga Beit Tefilah Rechovot, do Judaísmo Messiânico. Shema Israel! Yeshua Hamashia! Mas não é domingo e alta é a noite. Aqui por perto só
há uma igreja possivelmente aberta a estas horas: a Igreja Universal do Reino
de Deus, lá no Parque Moscoso, perto daqui, perto da sinagoga. Para chegar lá,
basta pegar a Rua Caramuru, depois do Convento. Jesus Cristo é o Senhor! Estou
chegando à minha casa. Depois de um longo dia de trabalho, estou cansada, com
fome e sono. Giro a chave, os cachorros latem e fazem festinha. Um pensamento
me vem: Onde estou, Deus está. Eu rezo: que bom! Om! Harih Om हरिः ओम्
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